O cantor e compositor Gilberto Gil entrou com um processo judicial contra o padre paraibano Danilo César, acusando o religioso de incitar o racismo religioso ao debochar das orações feitas em nome de Preta Gil, filha do artista, que morreu em julho vítima de câncer.

De acordo com a ação protocolada nesta terça-feira (14) na Justiça do Rio de Janeiro, o processo pede indenização de R$ 370 mil por danos morais. A família argumenta que o padre ultrapassou os limites da liberdade de expressão ao zombar de crenças de matriz africana e desrespeitar a memória da cantora.

Gilberto Gil processa padre paraibano e cita decisão do STF sobre liberdade religiosa

No documento, os advogados de Gilberto Gil afirmam que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconhece que as liberdades públicas não são incondicionais, e que o exercício da fé ou da opinião não pode se converter em incitação ao ódio ou ao racismo religioso.

“O exercício da fé católica – ou de qualquer outra religião – não pode justificar ironias e desrespeito a outros credos, sob pena de esvaziar o próprio conceito de liberdade religiosa”, diz o texto da ação.

Família alega dano coletivo e ofensa à memória de Preta Gil

A ação destaca que as falas do sacerdote atingiram não apenas Gilberto Gil, mas toda a família da artista, gerando sofrimento em um momento de luto. O deboche público sobre as orações aos orixás, segundo os advogados, configuraria discriminação religiosa e dano à honra e à memória de Preta Gil.

O episódio aconteceu durante uma missa em Areial, no interior da Bahia, no dia 27 de julho. Durante a homilia, o padre afirmou:

“Gilberto Gil fez uma oração aos orixás. Cadê o poder desses orixás que não ressuscitaram Preta Gil?”

Em outro momento, o pároco teria dito:

“Tem católico que pede a essas coisas ocultas. Eu só queria que o diabo viesse e levasse.”

As falas foram gravadas e compartilhadas nas redes sociais, gerando forte repercussão negativa.

Tentativas de retratação e silêncio da Diocese

Após o episódio, Gilberto Gil notificou extrajudicialmente o padre e a Diocese de Campina Grande, exigindo retração pública e medidas disciplinares contra o religioso. O artista também pediu que a retratação fosse feita pelo mesmo canal da paróquia onde a missa foi transmitida.

Entretanto, passados 15 dias, nem o padre nem a Diocese se pronunciaram. Diante do silêncio, o músico decidiu formalizar o processo judicial. Até o momento, a Diocese e a Paróquia São José não se manifestaram.

Padre pode ser proibido de celebrar missas

Segundo o advogado Alan Pitombo, presidente da Comissão do Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA, caso seja condenado, o padre Danilo César poderá perder o direito de celebrar missas.

A acusação se baseia na Lei 7.716/1989 (Lei Caó), que pune crimes de racismo e discriminação religiosa. Após atualização em 2023, a legislação passou a equiparar injúria racial e racismo, com penas mais severas — que podem chegar a cinco anos de prisão quando o crime é cometido em ambiente virtual.

Com o processo, Gilberto Gil processa padre paraibano buscando não apenas reparação moral, mas também responsabilização por intolerância religiosa, num caso que reacende o debate sobre os limites da liberdade de expressão e o respeito à diversidade de fé no Brasil.